A aprovação em concurso público não é garantia de nomeação para o cargo escolhido. Um dos casos mais escandalosos é o do Procon/DF, que nomeou 117 inscritos no último processo seletivo, mas apenas 76 foram efetivados, enquanto mantém 162 comissionados. A falta de regulamentação nacional dos certames impede que os aprovados tenham seu direito assegurado.
A farra dos concursos tem levado até as últimas consequências, diretamente às portas da Justiça, o sonho de muitos brasileiros de ter estabilidade no emprego e receber salários acima da média do mercado. O problema é que os órgãos públicos abrem vagas, criam expectativas nos concurseiros, que investem tempo e dinheiro para serem aprovados e depois não conseguem ser nomeados.
Apesar dos gastos exorbitantes com as bancas examinadoras, que desde 2011 somam R$ 400 milhões apenas no âmbito do governo federal, os concursos não oferecem a mínima segurança de contratação aos aprovados: o preenchimento das vagas esbarra no interesse de que correligionários ou apadrinhados políticos ocupemos cargos — que deveriam ser dos concursados — como terceirizados ou comissionados.
O caso do Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF) se tornou emblemático. A entidade nomeou 117 inscritos no último processo seletivo, realizado em 2011, para o qual foram abertas 200 vagas. Mas apenas 76 aprovados foram efetivados. “Infelizmente, isso acontece, e não é de agora. Muitos só são empossados ao fim do prazo de validade da seleção. Isso quando conseguem assumir”, disse o presidente do Gran Cursos, José Wilson Granjeiro.
Na opinião de Granjeiro, um dos problemas que emperram as posses é o contingente excessivo de cargos comissionados. Só no Procon-DF são 162. “O número é três vezes mais que o de funcionários efetivos. Isso é uma afronta a todos os concursados e àqueles que querem servir. O percentual de comissionados em cada órgão deveria ser de, no máximo, 10% do quadro de servidores”, avaliou. No Poder Executivo Federal, existem 22 mil comissionados, de acordo com o Ministério do Planejamento. Há 650 mil funcionários públicos civis na ativa.
Três anos de espera
O caso do Procon-DF não é isolado. Em fevereiro deste ano, aprovados no concurso das Secretarias de Saúde e Administração de Águas Lindas (GO) protestaram no caminho entre a Câmara dos Vereadores e a prefeitura da cidade por conta de vencimento do prazo sem nomeações. Em agosto, um grupo de mulheres do Rio de Janeiro reivindicou, em protesto, a nomeação para a Polícia Militar do estado. Elas ficaram três anos na fila de espera. No Amazonas, mais de 400 candidatos aguardavam, desde 2009, a nomeação para o Corpo de Bombeiros do estado. Apenas neste ano, a corporação sinalizou para que as contratações sejam feitas.
Para o presidente do Grupo Vestcon, Ernani Pimentel, há interesses de políticos para a não nomeação de aprovados. “Muitos terceirizados e comissionados são usados como cabos eleitorais”, afirmou. Ele conta que, no interior, a situação é ainda pior. “Tem concursos que são abertos por bancas inexistentes para favorecer uma minoria. É uma tradição velha e viciada de apadrinhamento daqueles que querem se manter no poder”, comentou.
Na avaliação do subprocurador geral da República Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho, membro da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que trata de concursos públicos, os aprovados em cadastro reserva não têm direito à nomeação. “Mesmo surgindo vaga, o gestor pode entender que falta dotação orçamentária para criação do cargo. Agora, se há vagas, é obrigatório nomear”, avaliou.
Jurisprudência
O tema gera polêmica entre os concursandos, que, cada vez mais, recorrem ao Judiciário para tentar garantir a contratação. Na falta de uma regulamentação nacional para os concursos públicos, os conflitos são decididos pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para o consultor jurídico Max Kolbe, membro da comissão de fiscalização de concursos públicos da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), os primeiros colocados nos certames têm o direito de serem nomeados. “Quando um edital estipula um número de vagas, os aprovados têm que ser nomeados durante o período de vigência do concurso, que é de dois anos, prorrogáveis por mais dois”, afirmou.
No caso de cadastros de reserva, Kolbe exemplificou, como não existe lei sobre o assunto, que a Justiça tem entendido que o aprovado em primeiro lugar tem direito de ser nomeado dentro do prazo se surgirem vagas na eventualidade de invalidez, aposentadoria ou morte de servidores. “Outro caso em que a Justiça dá ganho de causa ao concursando em cadastro reserva é quando ele consegue provar que um terceirizado ou comissionado está exercendo a função para a qual ele foi aprovado”, explicou o consultor.
No caso específico do Procon-DF, alertou Kolbe, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) exigiu a nomeação dos aprovados em substituição aos funcionários comissionados. O Procon ganhou um prazo de 60 dias para se manifestar ou acatar a determinação, caso contrário o tribunal poderá aplicar multas. O diretor geral do Procon-DF, Todi Moreno, chegou a afirmar que o instituto tem o interesse de empossar os aprovados. “Somos a favor da decisão do TCDF, mas não cabe a nós, do Procon, realizar essas nomeações, porque esse papel é da Secretaria de Administração Pública”, justificou, lembrando que enviou quatro ofícios para a SEAR reiterando o pedido.
Fonte: Correio Braziliense
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